SEGUNDO REINADO: ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO
A data da assinatura da Lei Áurea, o 13 de Maio é comemorado como o Dia da Abolição. Sendo comum conferir à Princesa Isabel a responsabilidade quase total pelo evento. Entretanto, a abolição da escravatura ocorreu gradualmente, com suas discussões se desenrolando ao longo de todo o período imperial.
Liderado por interesses nacionais, mas sem ignorar pressões externas, o abolicionismo era mencionado desde o tratado de reconhecimento da independência. Sendo alvo de várias iniciativas nas décadas seguintes.
A PRESSÃO INTERNACIONAL DO SÉCULO XIX
Ainda enquanto domínio português, o território brasileiro sofria pressões pela abolição da escravatura, especialmente por parte da Inglaterra. Se na primeira metade do século XIX as discussões concentravam-se na abolição do tráfico humano, somente a partir de 1850 cresceram as pressões, no sentido de proibir a própria escravidão.
No século anterior, a Inglaterra fora pioneira na Revolução Industrial e tinha grande interesse na busca de novos mercados para seus produtos. Além disso, saiu das Guerras Napoleônicas, encerradas em 1815, como principal potência marítima do mundo, segundo o historiador Eric Hobsbawn. A maior parte dos escravos era transportada pela via marítima a partir do continente africano e este comércio era um dos negócios mais lucrativos da época. Assim, a força da marinha britânica tinha capacidade de exercer forte pressão sobre esse comércio.
Os interesses ingleses eram múltiplos e não se concentravam em preocupações humanitárias. Na verdade, o tráfico possuía forte impacto sobre os interesses econômicos britânicos. Isto porque poderia reduzir os custos de produção de países concorrentes e afetar os mercados consumidores de produtos britânicos, pois o fim do tráfico liberaria expressivas quantidades de capitais, que poderiam ser utilizados em outras áreas. Assim, a Inglaterra exerceu forte pressão pelo fim do comércio de escravos que, nesse período, não se confundia com o fim da escravidão.
Já em 1815, no Congresso de Viena que encerrou as Guerras Napoleônicas, Portugal tinha como um de seus principais interesses adiar a abolição do tráfico, que era a principal fonte de mão de obra no território brasileiro. No Congresso, ficou acertado que o tráfico ficaria proibido ao Norte da Linha do Equador, garantindo a manutenção do transporte entre a África e o Brasil.
A Independência do Brasil, proclamada em 1822, só foi reconhecida por Portugal em 1825, com o auxílio da mediação inglesa. Como resultado da negociação trilateral, o recém independente Brasil renovou tratados de comércio que Portugal havia firmado com a Inglaterra, nos quais ficou estipulado o compromisso com o fim do tráfico até 1830.
Em 1831, a chamada Lei Feijó estipulou o fim do tráfico de escravos do Brasil, como prometido aos britânicos. Ela “Declara livres todos os escravos vindos de fora do Império, e impõe pena aos importadores dos mesmos escravos”. Mas a medida teve pouquíssima aplicabilidade prática, motivo pelo qual ficou conhecida como (dando origem à expressão) “para inglês ver”.
De fato, em 1822, período da Proclamação da Independência, cerca de um terço da população brasileira era formada por escravos. Em 1850, os escravos compunham 30% dos cerca de 7,5 milhões de habitantes. O que demonstrou um aumento em seu número absoluto (dados do livro A Ordem do Progresso).
AS CONTROVÉRSIAS POLÍTICAS
Seria muito difícil associar automaticamente a questão abolicionista a um determinado partido político. De fato, embora fosse uma reivindicação eminentemente liberal, as principais leis abolicionistas foram aprovadas por gabinetes liderados pelo Partido Conservador. Sendo este partido menos coeso sobre a questão.
Na verdade, poderíamos traçar uma batalha parlamentar que se dava entre três grupos principais: os escravistas, que defendiam a manutenção da escravidão; os emancipacionistas, que buscavam a mera libertação jurídica dos escravos (e foram o grupo vitorioso); e os abolicionistas, que apoiavam não apenas a libertação, mas a concessão de direitos aos ex-escravos, com sua plena inserção na sociedade.
Aos grupos parlamentares somavam-se revoltas negras, como a muito conhecida Revolta dos Malês. Bem como movimentos populares, que faziam propagandas em jornais e organizavam compras de alforrias. Nomes como os de André Rebouças, Abílio Borges, Luiz Gama, José do Patrocínio ou Joaquim Nabuco desempenharam funções importantes no ativismo pela abolição.
Para a classe dominante, um argumento corrente era que se devia realizar uma “abolição por cima”, evitando risco de subversão. De fato, uma expressão muito utilizada para o período é o “receio do haitianismo”. Fazendo alusão ao medo de ocorrer no Brasil rebelião similar à que permitiu a independência do Haiti. Que foi liderada por escravos contra seus senhores.
Assim, essa classe dominante alegava que uma libertação legal daria margem a uma ideia de direito, favorecendo reivindicações e rebeliões que colocariam em risco a própria integridade brasileira. Defendia, então, que deveria ocorrer uma libertação concedida pelos senhores de escravos, que fosse vista como um ato de generosidade e favorecesse a obediência.
O FIM DO TRÁFICO: LEI EUSÉBIO DE QUEIROZ
A Lei Eusébio de Queiroz, em 1850, foi responsável pelo fim do tráfico de escravos, após a aplicação quase inexistente da Lei Feijó. Na verdade, o período entre 1831 e 1850 seria marcado pela intensificação do tráfico, o que reduziria a oposição à Lei Eusébio, dada a grande disponibilidade de mão de obra escrava e o alto nível de endividamento dos latifundiários.
A Lei de 1850 seria aprovada sem grande oposição durante a “Trindade Saquarema”, um gabinete liderado pelo Partido Conservador, sendo uma das prioridades dos ministros da Justiça e dos Negócios Estrangeiros, Eusébio de Queiroz e Paulino José Soares de Sousa.
O tema era especialmente relevante após a Lei Bill Aberdeen, de 1845. Foi uma lei inglesa que permitia que sua Marinha monitorasse o Atlântico Sul e aprisionasse navios negreiros como forma de pressionar o fim do tráfico negreiro. A lei seria considerada um desrespeito à soberania nacional e fortemente criticada no Brasil, causando embates com a Inglaterra, em virtude de suas abordagens a navios brasileiros.
Os motivos do embate podem ser percebidos pelo nome original da lei, chamada de “Brazilian Act” (algo que poderia ser traduzido como a “Lei do Brasil”), em clara intervenção sobre assuntos domésticos. Como forma de evitar as abordagens inglesas, o Brasil chegou a recorrer à utilização de navios estadunidenses no transporte, os chamados “clippers”, a fim de evitar a fiscalização. Essa Lei funcionaria como uma forma de pressão que não podia ser ignorada.
A prática do tráfico interno de escravos foi intensificada a partir da proibição do tráfico Atlântico, em 1850, e perdurou até às vésperas da abolição como uma das alternativas reposição de mão-de-obra cativa. Quando praticado entre diferentes regiões de uma mesma província, era chamado de tráfico intraprovincial; e entre províncias diferentes, era chamado de interprovincial.
Em 1850, o Brasil entraria em guerra com Juan Manuel Rosas, então líder da Confederação Argentina. A busca pela simpatia internacional à causa brasileira favoreceria mais o fim do tráfico, que sofreu influência de pressões estrangeiras.
LEI ABOLICIONISTAS
Em 1871, a Lei Rio Branco, popularmente conhecida como “Lei do Ventre Livre”, enfrentaria dificuldades maiores em sua aprovação, em um contexto de fortalecimento dos movimentos abolicionistas. A década de 1860 desempenharia importante função nesse sentido, com a abolição ocorrendo nos EUA no pós-Guerra de Secessão (1861-1865). Além da participação de negros nos batalhões brasileiros de voluntários da pátria, na Guerra do Paraguai, sob promessa de alforria.
A Lei do Ventre Livre permitiria que os filhos de escravos permanecessem com seus senhores até os 08 anos, quando estes optariam por manter sua posse até os 21 anos ou entregá-los ao Estado, mediante indenização pelo governo. Previa ainda a possibilidade de processos por maus-tratos, restringindo a permissão de castigos corporais. A criação de organizações e a promoção de eventos destinados a estimular a libertação de escravos exerceram outra fonte de pressão pela abolição.
Por sua vez, havia forte resistência de latifundiários, que pleiteavam o fim natural da escravidão. Por um lado, se estava proibido o tráfico, não seria possível a entrada de novos escravos em território brasileiro. Por outro, a Lei Rio Branco impedia o crescimento natural dentro do Brasil. Assim, segundo eles, o fim ocorreria naturalmente.
Em 1885, a Lei Saraiva-Cotegipe ficaria conhecida como “Lei dos Sexagenários”, representando mais uma tentativa de negociação que um avanço abolicionista. A Lei Saraiva-Cotegipe previa a alforria dos idosos, aos 60 anos (podendo chegar aos 65), mas garantia o direito à indenização dos senhores de escravos.
É possível afirmar que a Lei dos Sexagenários representou um retrocesso em relação a outros projetos apresentados na Assembleia Legislativa. Isto porque estes outros projetos previam a alforria sem indenização. De poucos efeitos práticos, faria concessão aos abolicionistas no sentido de proibir o tráfico interprovincial, que crescera substantivamente após 1850. Contudo, não seria suficiente para conter um movimento abolicionista radical. Que desejava uma abolição completa imediata, que conferisse direitos aos libertos e garantisse sua inserção na sociedade.
Em 1884, os estados do Ceará e do Amazonas aboliram individualmente a escravidão, aumentando a pressão sobre o Império. Assim, às vésperas da abolição, o Vale do Paraíba seguia como a única zona ainda apegada à escravidão, o que pode ser percebido pela aprovação da Lei Áurea com grande maioria no Congresso.
A Lei Áurea, em 1888, formalizaria a abolição da escravatura, no momento em que a proporção de escravos já se reduzira substantivamente. Se o censo populacional de 1872 apontava que 15% dos cerca de 10,1 milhões de habitantes brasileiros eram escravos, em 1887 estima-se que somente 700 mil dos 14,3 milhões de pessoas ainda eram escravos (cerca de 5%).
LEGADO DA ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA
A Lei Áurea foi apenas o culminar de um processo de abolição que ocorreu de forma gradual, ao longo de boa parte do século XIX. Na verdade, não é possível afirmar que esse processo já esteja encerrado, com diversos debates acerca da “escravidão moderna”. Ou de “condições de trabalho análogas à escravidão”.
A Abolição Brasileira contou com muitos marcos legais, ocorridos em contextos diversos, com peculiaridades próprias. Expressando os embates internos e as pressões internacionais sobre o tema, deixando legados de várias naturezas.
Já em 1850, a Lei Eusébio de Queiroz foi acompanhada de uma Lei de Terras e do incentivo à imigração. Buscando favorecer a substituição da mão de obra escrava pela assalariada.
Ao final do Império, a Lei Áurea teve efeitos distintos. Por um lado, não foi capaz de garantir direitos aos ex-escravos, permitindo a marginalização social do negro. Por outro, não satisfez os latifundiários, que não receberam indenizações por seus escravos. Muitos dos quais aderindo ao Movimento Republicano, ficando conhecidos como “Republicanos de última hora” e auxiliando na derrocada da Monarquia.
A abolição brasileira foi a última da América Latina e teve influência sobre a Proclamação da República.
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