REVOLTAS REGENCIAIS
No período regencial ocorreram agitações de rua, revoltas escravas e rebeliões republicanas. Essas manifestações nas províncias do império estavam relacionadas ao alto custo de vida nas cidades brasileiras, ao escravismo e ao autoritarismo dos regentes. Dispostos a mudar essa situação, pobres e ricos, peões e fazendeiros, indígenas, mestiços, negros e brancos se uniram para combater o governo central, com sede no Rio de Janeiro. Mas, enquanto as elites provinciais lutavam pela autonomia das províncias, os oprimidos batalhavam por liberdade e uma vida melhor. As principais rebeliões foram a Cabanagem, a Guerra dos Farrapos, a Revolta dos Malés, a Sabinada e a Balaiada..
Cabanagem (1835-18401): Grãn-Pará
Em 1835, quando se iniciou a Cabanagem, a província do Grão-Pará, abrangia terras dos atuais estados do Pará, Amapá, Rondônia, Roraima, Amazonas. A população do Grão-Pará era de cerca de 120 mil habitantes assim distribuídos:
Os habitantes do Grão-Pará eram em sua maioria muito pobres: viviam da pesca, da exploração de madeira, castanha-do-pará, cacau, baunilha e ervas medicinais; trabalhavam no regime de escravidão ou por baixíssimos salários; moravam em cabanas erguidas sobre estacas às margens dos rios; por isso eram chamados de cabanos.
Os cabanos queriam terras para plantar e o fim da escravidão; já os fazendeiros queriam escolher o presidente de província, que, na época, era imposto pelo governo central. Então, ricos e pobres do Grão-Pará ocuparam Belém, a capital da província, e colocaram no poder o fazendeiro Félix Clemente Malcher. Mas tanto este líder cabano quanto o que o sucedeu traíram a Cabanagem. Os cabanos continuaram lutando, então, sob a liderança de Eduardo Angelim e reconquistaram Belém, onde proclamaram uma República em agosto de 1835.
O governo central não aceitou a República dos Cabanos e, em maio de 1836, enviou ao Grão-Pará uma poderosa força militar apoiada por navios e mercenários estrangeiros. Os cabanos resistiram até 1840, mas não conseguiram impedir a tomada de Belém pelas forças imperiais, que eram mais numerosas e mais bem armadas. A repressão à Cabanagem foi brutal; estima-se que as tropas do governo mataram cerca de 40% da população do Grão-Pará. Os cabanos conquistaram o poder, mas não conseguiram conservá-lo. Entre as principais razões da derrota da Cabanagem, podemos citar:
as divergências entre seus líderes;
a superioridade bélica das tropas do Império que reprimiram a Cabanagem.
Guerra dos Farrapos (1835-1845): Ria Grande do Sul e Santa Catarina
Na época, a base da economia da província de São Pedro do Rio Grande, atual Rio Grande do 5ul, era a criação de gado e a produção de couro, sebo, graxa e charque (carne salgada). Esses produtos gaúchos eram vendidos principalmente para outras províncias brasileiras, ou seja, destinavam-se sobretudo ao mercado interno.
Os fazendeiros gaúchos reclamavam dos altos impostos cobrados pela entrada de seus produtos nas outras províncias brasileiras e também da concorrência "desleal" dos charques uruguaio e argentino. É que o charque desses países pagava um imposto baixo nos portos brasileiros e podia ser vendido no Brasil a um preço menor do que o do gaúcho. Outra reclamação dos rio-grandenses era que os presidentes de província nomeados pelo governo central não atendiam a seus interesses. Por isso, os gaúchos diziam não suportar mais a "opressão da Corte sobre o Rio Grande do Sul" e não queriam mais ser governados por homens enviados do Rio de Janeiro.
Em 20 de setembro de 1835, rio-grandenses, conhecidos como farroupilhas, revoltaram-se contra o governo e, comandados por Bento Gonçalves, conquistaram Porto Alegre, obrigando o presidente da província a fugir. No ano seguinte, os farroupilhas proclamaram a República Rio-Grandense, com sede na vila de Piratini.
Em 1839, liderados pelo general Davi Canabarro e pelo revolucionário italiano Giuseppe Garibaldi, os farroupilhas conquistaram Laguna, em Santa Catarina, e lá, com a ajuda dos lagunenses, proclamaram a República Juliana. Garibaldi usou uma tática interessante para surpreender as forças do governo. Como os portos rio-grandenses estavam ocupados por navios do Império, ele e seus soldados construíram e transportaram seus navios por terra sobre carretas tocadas por bois, desde Porto Alegre até Laguna, em Santa Catarina. Com isso, os farroupilhas surpreenderam e venceram as forças do governo estacionadas no litoral catarinense.
Em 1842, o Império enviou para o Sul 12 mil soldados comandados por Luís Alves de Lima e Silva, futuro Duque de Caxias, a fim de combater os farroupilhas; as lutas se prolongaram por três anos. Diante disso, Caxias teve de negociar com os rebeldes e, em 1845, as partes assinaram o Tratado de Ponche Verde, que pôs fim à guerra e é conhecido como "paz honrosa" (1845).
Por esse acordo:
a) os rio-grandenses podiam escolher o presidente da província;
b) o charque estrangeiro passava a pagar 25% a s de impostos nos portos brasileiros;
c) os comandantes farroupilhas passavam para o Exército brasileiro com os mesmos postos que ocupavam nas tropas rebeldes;
d) o governo libertava os escravos que lutaram nas tropas farroupilhas; em troca dessas vantagens, os rebeldes mantiveram o Sul integrado ao Império.
Revolta dos Malês (1835): BAHIA
Em Salvador, na Bahia, em 25 de janeiro de 1835, e a mais importante revolta escrava já ocorrida numa cidade brasileira. Na época, essa revolta foi chamada de insurreição, pois quase 70% dos rebeldes eram de etnia nagô, nome dado aos lorubas na Bahia. Depois, ficou conhecida como Revolta dos Malês, porque seus principais líderes - Pacifico Licutan, Ahuma,Manoel Calafate - seguiam o culto malê, uma religião mista composta de elementos africanos e muçulmanos contidos no Corão (o livro sagrado dos muçulmanos). Mas nem todos os rebeldes eram malês; muitos praticavam outras religiões e participaram da revolta movidos pela esperança de uma vida melhor.
Os afrodescendentes, escravos ou libertos, eram explorados no trabalho, desprezados por sua cor e perseguidos por causa de suas religiões. Todos entraram no Brasil como escravos. Tinham motivos de sobra para deixar de lado diferenças de origem e de religião e lutar contra seus opressores. Os rebeldes lutaram durante a madrugada toda daquele 25 de janeiro de 1835 para conquistar o governo da Bahia e pôr fim à exploração ao racismo. Com espadas, facas e lanças, enfrentaram soldados do governo armados com pistolas e garruchas. E, como era de se esperar, foram vencidos. A polícia baiana considerou crimino todo e qualquer objeto encontrado com os rebeldes. Entre eles estavam abadas, escritos religiosos: amuletos, atabaques, colares, entre outros.
Sufocada a rebelião, os vencedores se lançaram à vingança. Em março de 1835, centenas de africanos libertos foram mandados de volta para a África. A maioria voltou para os lugares de origem, o Lagos, na Nigéria, e Daomé (atual Benim). Esses homens haviam trabalhado muitos anos para conseguir a carta de alforria. Agora, mesmo os considerados inocentes eram expulsos da Bahia. O objetivo das autoridades, segundo o historiador João José Reis, era o branqueamento da sociedade livre baiana. Muitos dos retornados levaram para a África costumes adquiridos no Brasil.
Sabinada [1837-1838]: Bahia
Dois anos depois, outra revolta agitou a Bahia. Essa revolta teve como motivos principais: a recusa da população baiana em aceitar os governantes impostos pelo governo central, com sede no Rio de Janeiro; a noticia de que o governo central convocaria os baianos para combater os farroupilhas no Sul. Isso revoltou um grupo de militares baianos que simpatizavam com os farroupilhas.
Eles resolveram, então, unir-se ao "Dr. Sabino", como era conhecido o médico e jornalista Francisco Sabino, que, por meio seu jornal, Novo Diário da Bahia, convocava o povo baiano a lutar pela República. Em novembro de 1837, os sabinos tomaram o forte de Pedro em Salvador, proclamaram a República e declararam a Bahia separada do Brasil até que D. Pedro de Alcântara atingisse a maioridade ‘
O governo regencial reagiu enviando forças navais que, com a ajuda dos senhores de engenho do Recôncavo baiano, cercaram Salvador. Alguns rebeldes, então, ofereceram liberdade aos escravos que lutassem ao lado deles. Essa medida apavorou os proprietários de escravos. Muitos deles mudaram de lado e passaram a ajudar o governo regencial. As forças governistas ocuparam Salvador em março 1838 e, para forçar os rebeldes a deixarem seus esconderijos, incendiaram bairros inteiros da capital baiana. Mais de 1200 pessoas foram mortas e quase 3 mil foram presas. Os líderes sobreviventes - entre eles o Dr. Sabino - foram expulsos da Bahia.
Balaiada [18313-1841]: Maranhão e Piauí
A Balaiada foi uma revolta popular ocorrida no Maranhão e no Piauí entre 1838 e 1841. O nome da revolta deveu-se ao fato de que um de seus líderes, o artesão Manoel Francisco dos Anjos Ferreira, fazia balaios para vender.
Seus principais motivos foram:
a) altos impostos cobrados pelo governo regencial;
b) a luta por autonomia em relação ao Império;
c)a luta entre os grupos políticos liberais e conservadores para controlar a província;
d) crise econômica vivida pelos habitantes da região e suas consequências para a população pobre.
Na década de 1830, a situação no Maranhão era tensa:
a)o algodão maranhense, a principal riqueza da província, vinha perdendo mercado, pois os ingleses estavam preferindo comprar o algodão norte-americano, mais barato e de melhor qualidade;
b)os maranhenses tinham de pagar altos preços por roupas e alimentos vendidos pelos comerciantes (portugueses em sua maioria);
c)os pequenos proprietários vinham perdendo terras para os grandes fazendeiros e sendo forçados a mudar para o sertão ou para a cidade em busca de sobrevivência;
d)os escravizados - cerca de metade da população na época -reagiam à opressão formando quilombos.
Nesse contexto, bandos formados por desempregados, vaqueiros, quilombolas e indígenas passaram a atacar as fazendas, atemorizando seus proprietários. Em dezembro de 1838, um desses bandos, chefiado pelo vaqueiro Raimundo Gomes, o "Cara Preta", tomou uma pequena cidade do interior e divulgou um documento exigindo a substituição do presidente da província, a expulsão dos comerciantes portugueses e o fim da escravidão.
Depois, os balaios conquistaram Caxias, a segunda maior cidade do Maranhão na época, e avançaram em direção ao Piauí, onde, com a ajuda dos rebeldes locais, venceram as tropas oficiais enviadas para combatê-los (1839). Naquele mesmo ano, cerca de 3 mil quilombolas, liderados por Cosme Bento das Chagas, fugiram das fazendas e aderiram à luta dos balaios.
Enquanto no interior a luta se intensificava, na capital São Luís, os liberais e os conservadores disputavam o poder entre si; mas, diante da força dos rebeldes, liberais e conservadores esqueceram suas divergências e se uniram contra os balaios.
O governo regencial, por sua vez, enviou ao Maranhão cerca de 8 mil homens comandados por Luís Alves de Lima e Silva. A repressão aos balaios foi violenta: os rebeldes presos e executados sem direito à defesa; estima-se que 11 mil balaios morreram na luta contra o Império. O líder Raimundo Gomes foi expulso do Maranhão, Manoel Francisco dos Anjos morreu lutando e o "Negro Cosme" foi preso e enforcado. Com o fim das rebeliões regenciais e a ascensão do café no Vale do Paraíba, o governo central foi se firmando no poder e garantindo a unidade do imenso Império brasileiro.
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